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21/08/15 | Sonia Pestana - Coremetro

Teatro na prisão liberta a emoção

Racismo e discriminação estão no foco da nova encenação do grupo de teatro da Penitenciária “Adriano Marrey”

Novos recursos de música e dança unem sentenciados e servidores na peça ''Correntes da Liberdade''

É impossível não se emocionar! Antes do início da apresentação do dia 4 de agosto, todo o elenco se reuniu nos bastidores, dentre eles 21 detentos. Nesse momento não há distinção entre servidores, voluntários e sentenciados. Junto o grupo repassa mentalmente seus papéis, ao mesmo tempo em que se apoiam mutuamente no espaço da Penitenciária “Adriano Marrey”, de Guarulhos II.

“Correntes da Liberdade” é o título da quarta montagem teatral. O grupo ”Do Lado de Cá” foi criado há quatro anos nos corredores da unidade prisional. Segundo Igor Rocha, Agente de Segurança Penitenciário (ASP) e diretor do grupo, o critério para a escolha do tema da peça tem base na vivência e necessidade dos presos, a exemplo do racismo e da discriminação.

De acordo com Rocha, a partir de cenas verídicas o grupo trabalha os temas na linha do que propõe o teatrólogo Augusto Boal que promove a reflexão e a ação. Em complemento a esse método, o diretor acrescenta os pensamentos do educador Paulo Freire que promove uma educação de combate de todas as formas de injustiça, discriminação, violência e preconceito.

Ainda nesse projeto entra em cena a sensibilidade e a perspicácia de Domingos Dudlei Menetti, também ASP da unidade prisional. Na montagem atual, coube a ele transformar em poesia os confrontos de brancos e negros.

O ponto alto da apresentação está, justamente, no pagode de sua autoria. No refrão, os atores convidam a todos à ação: “Vem nação brasileira, vem mostrar com humor, que em qualquer lugar do planeta amizade e talento nunca tiveram cor”, cantam.

Música e dança

A atual montagem agregou à encenação os recursos da música e da dança. Para essa edição, Tânia Naomi Yoshida, pianista, emprestou ritmo ao grupo teatral. Segundo ela, a ideia é que cada integrante seja protagonista de si mesmo, vislumbrando novas perspectivas de vida. “A música, sem dúvida, é um importante canal de autoconhecimento”, resume.

No campo da dança está a bailarina Isadora Bernardo Machado, que juntamente com o psicólogo da unidade, Marco Antonio Leite, deram um show à parte. Apesar do pouco tempo de ensaios, Isadora mostrou-se admirada. Segundo ela, a equipe dos sentenciados provou o quanto são capazes.

Superação

Falando em nome dos 21 sentenciados, Valdiney Júnior do Nascimento diz que para estar na apresentação final tiveram de praticar o autoconhecimento, superar os limites e quebrar barreiras. De acordo com o sentenciado, sair do raio para trabalhar no teatro é uma chance que ninguém abre mão, pois todos veem nessa ação uma oportunidade de recomeço.

“Considero a união de sentenciados, servidores, negros e brancos como uma forma de quebrar as fronteiras que nos separam”, declara. Para ele, esse progresso lança todos na séria luta da reconquista da confiança de seus familiares.

Dentre os convidados, figuram parentes de primeiro grau de muitos dos reeducandos que ajudaram a compor o elenco. A esses, o diretor do grupo teatral destacou a importância do apoio familiar junto aos sentenciados que, depois de anos em reclusão, em breve voltarão ao convívio da sociedade, que já têm data marcada para a liberdade. “Vocês, familiares, são as pessoas mais importantes e eles querem uma oportunidade para provar que mudaram”, discursa Rocha.

Apoio externo

Ao ser indagada sobre os motivos que a levaram a ser parceira de muitas das ações na Penitenciária, Patrícia Villela Marino, vice-presidente do Instituto PDR, instituição que atua na redução da desigualdade social através da educação, diz: “Venho à unidade prisional para compartilhar esperança e compaixão”. Segundo ela, é necessário ter respeito mútuo, já que fazemos parte da mesma sociedade e é inevitável um dia encontrar alguns desses sentenciados lá fora.

Dentre os familiares presentes à apresentação, Aparecido Gonçalves, pai do reeducando U.I.G, de 34 anos, diz que gostou muito da participação de seu filho na peça. Contudo, confidenciou que espera ansioso a saída dele da unidade prisional para poder apoiá-lo nas mudanças necessárias que deve fazer na vida.

Roseli Mendes, irmã do sentenciado F.M., 29 anos, também aprovou sua participação no grupo teatral. “É gratificante ver que meu irmão está se ocupando com algo bom dentro da prisão”, declarou.

Na apresentação teatral também esteve presente David Wilson, jornalista norte-americano criador do site The Grio, especializado em notícias sobre afro-descentes. Segundo Wilson, as histórias dos negros do Brasil e EUA são muitas parecidas. “Tanto aqui como em meu país, há preconceito e racismo”, resume.

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