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05/02/19 | Sonia Pestana - Coremetro

Artista autodidata associa arte à liberdade

Sentenciada resgata habilidades artísticas há muito deixadas para trás e revela que a arte tem poder de mudar a vida para melhor

Quem vê a escultura de quase dois metros de altura e com cerca de 250 quilos instalada na porta da entrada da ala Materno-infantil da Penitenciária Feminina da Capital (PFC), não tem ideia da história de vida da artista plástica responsável pela obra. Rosângela Pereira Lima, sentenciada do sistema prisional paulista desde 2007, é autodidata em escultura com argila e em pintura sobre tela.

A descoberta de suas habilidades aconteceu a partir de um trabalho de restauro de uma garrafa térmica da oficina de trabalho na PFC. A partir daí a arte voltou a fazer parte de sua vida, trazendo momentos de muita criatividade, assim como em sua infância e juventude.

O desafio da criação da escultura com a figura de mãe e filho veio em bom momento. Segundo ela, foram 15 dias de trabalho que exigiram inovação e ousadia. A peça foi criada a partir de uma réplica de aproximadamente 10 centímetros. Dentre os materiais utilizados estavam cimento, areia, ferro e isopor que ganharam forma nas mãos da artesã, que pensava que a arte já não mais fazia parte de sua vida.

Trajetória artística

A artista nascida no Paraná revela que teve uma infância livre, em contato com a natureza, e isso sempre a encantou. Quando tinha apenas 5 anos de idade, Rosângela lembra que sua primeira criação retratava o padrasto Zé e o cachorro Beck a partir do barro branco retirado das plantações de arroz da região de Araguaiana, no Mato Grosso. Ela recorda com saudades dessa época de vida simples, porém, de muitas descobertas artísticas e de plena felicidade.

Foi com apoio do padrasto que a artista ousou na criatividade, como incluir cor em suas peças de barro. Começou pelas sementes de urucum para os tons avermelhados, passando pelo pó de carvão para dar efeito envelhecido. A partir daí sua criatividade não teve limites. Chegou até a moldar coxos de barro para os porcos e um ousado projeto de construção da varanda na casa de pau a pique, que levou meses para ser executado pela garota que agora tinha 10 anos.

Pintura

Em outra etapa de sua vida, mais uma vez a arte lhe foi generosa. Rosângela lembra que por problemas de saúde de sua irmã mais nova, a família teve de se mudar para o norte do estado do Paraná. Foi nas andanças pela nova cidade que a artista descobriu um ateliê de pintura.

Assim, diariamente tirava tempo para admirar a obra da pintora que ficava exposta na vitrine. Na verdade, revela ela, ficava tentando gravar em sua memória os detalhes para reproduzir no chão de terra na casa que morava.

Não demorou muito, a dona do ateliê notou a presença constante da menina franzina de vestido vermelho e pés no chão. O contato com a artista plástica durou cinco anos. Tempo mais que suficiente para assimilar as várias técnicas de pintura em tela. Ela relata que ainda lembra do conselho da dona do ateliê: ”Nunca se esqueça do dom que Deus te deu”.

Mudança de rumo

Para Rosângela, a arte sempre esteve associada à alegria e à liberdade. Contudo, a morte repentina do padrasto mudou radicalmente sua vida. De acordo com ela, sua mãe passou a agir com violência e aos 15 anos a jovem artista abandonou a família para andar pela América Latina em busca de aventura.

Nessa época, para se manter, passou a roubar e aos 19 anos, retornou para a família por um tempo para logo mais ganhar a estrada novamente, deixando para trás um casal de filhos que foram criados por sua mãe. Mesmo nessa fase difícil, a artista dizia que buscava representar na pintura ou na escultura todo seu desejo de coisas boas.

“Eu era feliz quando tinha arte na minha vida, mas ela não me dava dinheiro, o crime sim, porém ele também trouxe coisas muitas ruins, incluindo a prisão”, desabafa. Por ironia do destino, a arte ressurgiu com força total quando estava no sistema penitenciário paulista e não mais a largou.

Hoje, passados 52 anos de vida, Rosângela cumpre pena no regime semiaberto do Centro de Progressão Penitenciária (CPP) de São Miguel Paulista, zona leste da cidade de São Paulo, desde março de 2018. E a arte continua presente, mas desta vez por meio dos trabalhos desenvolvidos na oficina da Daspre, da Fundação “Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel” (Funap).

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